
A religião não bateu à minha porta. Ela nasceu comigo, cresceu comigo, e, com o tempo, eu apenas precisei me lembrar de quem eu realmente era. O Candomblé não foi uma escolha repentina, nem uma simples resposta espiritual — foi uma reconexão profunda com minhas raízes, com minha ancestralidade, com a energia que sempre pulsou dentro de mim. Por muito tempo, caminhei entre dúvidas, medos e olhares que julgavam. A intolerância religiosa tentou calar aquilo que eu sentia, mas quanto mais me afastavam, mais minha fé me puxava de volta. Este texto é mais que um relato: é a minha jornada de resgate, de força e de reconhecimento. É sobre como a espiritualidade moldou quem sou hoje — não apenas como praticante, mas como ser humano, como alguém que carrega no peito o axé dos Orixás.
Como conheci o Candomblé
A religião entrou na minha vida como quem chega sem pedir licença, mas com a força de quem já morava dentro de mim. O Candomblé, com seus rituais, toques, cânticos e axés, não foi uma escolha apenas espiritual — foi um reencontro com minha própria essência. Desde pequeno, por volta dos sete anos, eu já circulava pelos espaços sagrados do Candomblé, por influência da minha avó, do meu avô e de boa parte da minha família que seguia esse caminho. No início, era apenas curiosidade. Eu achava tudo bonito, misterioso e encantador. Mas foi crescendo que comecei a olhar com outros olhos, com o coração mais aberto, e foi aí que o encantamento virou amor verdadeiro. Aos quinze, dezesseis anos, já estava dançando nas cantigas, participando dos xirês e das obrigações. Com o tempo, entendi que eu não estava apenas frequentando — eu estava, de fato, sendo parte da religião, vivendo e sentindo tudo o que ela representa. Foi assim que o Candomblé se tornou, pouco a pouco, meu próprio caminho.
Meu primeiro contato com o terreiro
Meu primeiro contato real com um terreiro foi algo que me marcou profundamente. Por mais que eu já tivesse alguma vivência por causa da família, foi nesse momento que senti de verdade a força do axé. Quando entrei naquele espaço, senti como se estivesse voltando para um lugar que sempre foi meu, mesmo sem nunca ter estado lá antes. O cheiro das ervas, o som dos atabaques, os cânticos entoados com alma… tudo me envolveu de uma forma mágica. Lembro até hoje do arrepio que senti quando ouvi a primeira cantiga ao vivo. A energia tomou conta do meu corpo, e eu soube naquele instante que algo dentro de mim havia sido despertado. Foi ali que entendi que o terreiro não é só um espaço físico — é um portal, uma extensão do mundo espiritual, um lugar onde a gente se encontra com quem somos de verdade. Desde então, nunca mais fui o mesmo.
A importância do Orixá e a busca pela verdade
Com o passar do tempo, fui percebendo o quanto o Orixá sempre esteve presente na minha vida. Não só nos caminhos que se abriam, mas também nos sonhos, nas intuições, nos sinais que eu não compreendia, mas sentia com força. Comecei a visitar várias casas, buscando respostas. Era como se algo dentro de mim estivesse inquieto, querendo entender melhor o que era o Candomblé de verdade. Eu perguntava, observava, vivia um pouco em cada espaço que me recebia. Alguns chamariam isso de "pular de casa", mas para mim era uma jornada de descoberta. Com o tempo, muitos da minha família deixaram a religião para seguir outros caminhos, mas eu permaneci. Nunca deixei de acreditar, nunca deixei de sentir a presença do Orixá me guiando. Mesmo com todas as mudanças ao meu redor, minha fé continuou firme, como uma chama que não se apaga.
A jornada até meu santo se revelar
No começo, tudo parecia mágico. A energia, os cânticos, os rituais... era como se o universo inteiro conspirasse a favor. Mas como em toda caminhada de fé, vieram os contratempos. A intolerância religiosa começou a me cercar, disfarçada em palavras duras, olhares de julgamento e até mesmo em silêncios vindos de quem eu mais amava. Parte da minha família, que antes caminhava ao meu lado no Candomblé, se afastou. Buscaram outras crenças, outros caminhos. E eu? Eu permaneci. Mesmo com as dificuldades financeiras apertando e as dúvidas batendo na porta, meu coração seguia firme no axé. Passei por várias casas de santo, buscando entender melhor a minha missão. Não era rebeldia — era sede de aprendizado, era necessidade de sentir onde meu espírito realmente se encaixava. Vivi o que muitos chamam de "pular casa", e em algumas delas tomei bori. Mas esses boris não eram o que deveriam ser. Me deram até a qualidade errada do meu Orixá. E mesmo assim, eu continuei, sempre ali, em Propriá, onde nasci e cresci. O grande desafio era que, em muitas casas da minha cidade, o que se cultuava não era o Candomblé Ketu — aquele que me chamava desde os sonhos — mas sim outras linhas, como Umbanda e Cacique. E isso me deixava inquieto. Eu sabia que tinha algo além, algo que ainda não tinha encontrado, mas que existia. Foi aí que comecei a viajar. Fui em busca do meu lugar, do meu axé de verdade. Conheci um pai de santo que, ao invés de ouvir os sinais do Orixá, me pediu para escolher com qual santo eu queria "ficar". Aquilo me cortou por dentro. Escolher Orixá? Isso não existe. O nosso Orixá não é escolhido — ele nasce com a gente, vem junto no ventre da nossa mãe, acompanha cada passo nosso. Saí daquela casa com mais perguntas do que respostas… mas não parei. E então, finalmente, encontrei a casa certa. Conheci meu atual pai de santo, que com seriedade e fundamento, me revelou com clareza e verdade a minha origem espiritual: sou de De Belofá, também conhecido como De Danadana. Ali, tudo fez sentido. Pela primeira vez, me senti completamente em paz, inteiro, no lugar onde sempre deveria estar. E foi em 20 de março de 2022 que vivi um dos dias mais marcantes da minha vida: minha confirmação no santo. O traje, o roncó, os cânticos… tudo estava perfeito. Foi um momento de emoção indescritível. Viram meu Orixá brilhar, ser reverenciado com todo o respeito e beleza que merece. Não foi só uma obrigação — foi o nascimento de um novo eu. Um eu consciente, firme, fortalecido na fé. E foi ali, naquele dia, que eu entendi de vez: o Candomblé não me escolheu à toa. Ele sempre esteve em mim.





Quando o Silêncio Grita: Meus Questionamentos Espirituais
Será que estou mesmo espiritado? Será que essa energia realmente vive em mim?
Em algum momento, quem segue o caminho do Candomblé se depara com uma avalanche de questionamentos. Isso não aconteceu só comigo — é quase um rito silencioso vivido por muitos filhos e filhas de santo. A dúvida chega de mansinho, mas quando chega, se instala fundo na alma: "E se eu não for espiritado? E se isso tudo for só da minha cabeça?"
Essas perguntas costumam aparecer principalmente nos primeiros contatos com a espiritualidade. A gente começa a prestar mais atenção em como o corpo responde, como o coração vibra, e se a conexão é de verdade. Porque existem dois tipos de incorporação — e é aí que a cabeça embaralha.
A primeira é a incorporação consciente. Nela, você vê tudo o que está acontecendo ao seu redor. Escuta cada palavra dita, reconhece as pessoas, mas não tem controle sobre seu corpo. Não decide os gestos, nem o que vai dizer. É como estar dentro de si, mas sem o leme.
Já a segunda é a mediunidade inconsciente. Nesse estado, o corpo apaga. O transe é tão profundo que não se vê, não se ouve, não se sente. É o Orixá tomando conta por completo. E quando tudo passa, só resta o relato das pessoas ao redor — porque você mesmo, não se lembra de nada.
Entre uma experiência e outra, mora a dúvida. E é aí que começa a verdadeira jornada: entender que cada corpo responde de um jeito, que a energia se manifesta como precisa. E que, mesmo sem respostas exatas, a fé continua sendo o maior guia.









Meu Erê, Meu Riso Sagrado: A Criança Que Habita em Mim 🌈✨
O que dizer sobre o meu grande Erê?
Grande não apenas pelo carinho, mas pela sabedoria que carrega. Uma criança, sim — mas com palavras que curam a alma. Não só a alma dos outros, mas a minha também. Erê é uma das partes mais fundamentais dentro do Candomblé, porque é através dele que o Orixá se comunica. Ele é o mensageiro entre o divino e o terreno. Quando o Orixá quer nos alertar, aconselhar ou proteger, muitas vezes é através do Erê que a mensagem chega. Seja ao Pai de Santo, ou até a alguém que esteja ali por perto, no momento certo.
Falando do meu Erê… Ah, é tanta coisa que eu poderia contar. Tenho 27 anos, e comecei a rodar com ele há uns cinco ou seis anos. Mas parece que ele sempre esteve comigo. E foi com o tempo que percebi o quanto ele é essencial na minha vida. Foi ele quem me conseguiu meu primeiro trabalho — e isso no mesmo dia em que prometeu. Ele disse com aquela alegria inocente e segura: “Você vai arrumar um trabalho ainda hoje.” No fim da noite, uma pessoa com quem eu nunca tinha trocado uma palavra me chamou para conversar. Era alguém que eu sempre via, mas nunca imaginei que fosse abrir uma porta tão importante pra mim. E assim, o trabalho veio. Como se o destino tivesse sido guiado pela mão dele.
Foi aí que entendi: meu Erê não está apenas quando se manifesta em mim. Ele está sempre comigo. Sempre querendo ajudar. Sempre me puxando para a luz, mesmo quando eu não enxergo.
As pessoas, muitas vezes, têm uma visão distorcida dos Erês. Acham que são apenas crianças levadas, que só querem brincar, comer doces, pedir moedas. Mas quem realmente sente a energia, quem conhece de perto, sabe que o Erê é muito mais. O meu, por exemplo, é iluminado. Ele não só me conecta com pessoas boas, mas também atrai clientes, amizades sinceras, e conquistas que marcaram minha trajetória.
Já teve época em que eu passava mais tempo incorporado com o Erê do que em mim mesmo. A entrega era tão intensa, tão necessária... Mas chegou um ponto que o cansaço bateu, e precisei equilibrar. Mesmo assim, ele nunca me deixou. Está sempre ali. Alegre, doce, atento — mas também sábio, direto e protetor.
Para mim, Erê não é só parte do Candomblé. Ele é parte da minha vida. Parte da minha alma. É a criança que habita em mim, que sorri por mim, que me protege quando eu nem sei do que preciso ser protegido. Erê é amor, é caminho, é força. É tudo.
Meu Grande Azulão


Exu Não É o Diabo: É Caminho, É Movimento, É Respeito
Chegou a hora de desfazer mitos e revelar a potência de Exu na minha vida.
Existe muito julgamento por aí quando o assunto é Exu. Muita gente fala sem saber, sem entender, e repete coisas como: "Exu é do mal", "Exu é o diabo", "Exu é coisa pesada", "Exu é pecado". Mas quem é de verdade do Candomblé, quem sente e vive, sabe: Exu é força. Exu é presença. Exu é direção.
Exu é o que nos guia. É quem abre os caminhos. É quem mostra por onde andar e também fecha as portas erradas. É ouro que vem para quem entende. Só que o problema é esse: muita gente não entende e julga sem nunca ter sentido a presença dele.
No meu caminho, Exu sempre foi presente. E por isso, eu não fico gastando meu tempo tentando provar nada pra ninguém. Eu falo do meu Exu com orgulho, com verdade e com fé. Não perco energia rebatendo mentiras. Eu prefiro contar tudo de bom que Ele já fez e faz por mim.
Minha caminhada com Exu começou cedo. Assim que entrei de verdade na religião, por volta de 6 ou 7 anos atrás, ele foi o primeiro a se manifestar em mim. Foi minha primeira entidade, minha primeira força viva. Desde então, ele nunca mudou sua essência. Sempre o mesmo — firme na chegada, respeitoso na ida. E com ele, eu aprendi o valor da presença e do respeito em todas as casas que Ele pisa.
Falar do meu Exu Sete Porteiras é falar de um Rei. Um Rei que conduz meu caminho, que mostra o que é verdadeiro, que me livra de encruzilhadas perigosas através de avisos, de sonhos, de sinais. Já foram várias as vezes em que ele me protegeu de pessoas que queriam me fazer mal. E tudo isso, sem alarde, só com firmeza e cuidado.
Tem gente que acha que Exu é só farra, é só bebida, cigarro e gargalhada. Mas o meu Exu é muito mais. Ele é proteção. Ele é escudo. Ele é intuição. Ele é o motivo de eu chegar onde chego, de não ter medo de caminhar por lugar nenhum. Porque eu sei — Exu está comigo.
Gratidão ao meu Babalorixá
Agradeço imensamente ao meu babalorixá, Paulo Cesar, por todo o apoio, proteção espiritual e ensinamentos preciosos que me acompanham nessa caminhada. Sua luz e sabedoria são fundamentais na minha vida. Gratidão eterna!
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